Entrevista com a professora de Ensino Religioso Cristiane Lippi
Confira a elucidativa entrevista com a educadora e escritora Cristiane Roberta Lippi acerca da nobre e desafiante tarefa de lecionar Religião.
Escritora, licenciada e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, pós-graduada em Ciência da Religião pela Faculdade Futura, professora de Ensino Religioso na Escola Estadual Adalgisa de Paula Duque, em Lima Duarte, Minas Gerais, Cristiane Roberta Lippi conversa com o Consciência Ecumênica acerca dos desafios e das recompensas em lecionar Religião em um contexto tão diverso.
A educadora também compartilha conosco a experiência de coordenar a segunda edição da Feira das Religiões, na escola em que leciona, uma iniciativa que busca formar indivíduos mais empáticos. Leia, a seguir, a entrevista da professora Cristiane, que tão brilhantemente tem colaborado, com seriedade e com amabilidade, para a construção de um mundo mais harmônico, filosófico e amoroso.
Como professora de ensino religioso, qual a sua perspectiva a respeito da importância da religião no currículo escolar e na formação da cidadania?
Muita gente critica a disciplina na grade curricular da escola, mas acredito que seja por falta de informação sobre o conteúdo ou, quando os reclamantes estudaram a disciplina, talvez, não tiveram a matéria trabalhada da forma correta. O ensino religioso é uma matéria que permite o conhecimento não apenas da religiosidade das pessoas, mas também da cultura, da história e da percepção do pluralismo. É uma disciplina muito rica quando trabalhada de forma correta, sem dogmatismo, enfatizando a historicidade e a importância das religiões na vida dos seus seguidores. Com muito respeito, a aula de ensino religioso será de grande valia para a formação cidadã dos discentes.
Quão desafiante e engrandecedor é lecionar Ensino Religioso para jovens?
O grande desafio é trabalhar a diversidade com um público tão diverso. Nós temos alunos de todas as religiões, o Estado é laico e isso às vezes nos causa alguns problemas, principalmente com os familiares. Quando estou trabalhando certas religiões, suas histórias, alguns pais reclamam, ficam querendo tirar seus filhos da aula de religião, dizendo que seu filho é de uma determinada crença, que ele não pode estudar sobre outra. Então, geralmente chamo esses pais para conversar, para mostrar para eles que não existe dogmatismo religioso nas aulas, que é só processo histórico, que o objetivo da disciplina é conduzir a criança e o adolescente ao conhecimento da diversidade, que o seu filho não terá a fé abalada porque está conhecendo uma crença diferente da dele. Procuro sempre tratar meus alunos e seus pais com muito respeito e educação, demonstrando para eles meu entendimento sobre o que estou falando. Atualmente, trabalho em duas escolas, lecionando ensino religioso, e não tenho nenhum aluno nas duas instituições que não faça minhas aulas, isso é engrandecedor para mim e para meus alunos, que ganham a oportunidade de ter conhecimento e de criar a consciência da pluralidade religiosa e o respeito pela diferença.
O projeto Feira das Religiões, desenvolvido junto à Escola Adalgisa de Paula Duque, em Lima Duarte, Minas Gerais, cumpriu sua segunda edição. Qual a proposta da iniciativa?
A Feira das Religiões, na escola, foi de iniciativa da professora Danielle Arruda que trabalhava no cargo, no ano de 2018. Achei um projeto lindo e abracei a causa quando assumi o cargo, neste ano, dando continuidade ao mesmo. A Feira das Religiões tem como propósito, conduzir nossos alunos a viverem na prática aquilo que trabalhamos na teoria em sala de aula. A feira que organizei este ano transcendeu a escola. Tivemos alunos que participaram de seminário judaico, tiveram palestras com espíritas, conheceram um sheikh muçulmano, foram à igreja católica, pesquisaram sobre os passos de Cristo e a produção dos tapetes tradicionais das celebrações do Corpus Christi, etc. Tudo isso e muito mais foi apresentado na feira, cumprindo assim o objetivo maior desse evento que é o de promover a paz, o amor e o respeito entre as pessoas e suas crenças diversas. Demonstrando a todos que, independentemente da nossa fé, precisamos fazer valer o que Deus nos ensinou: amar o outro como a si mesmo!
Como tem sido a recepção desse projeto na escola e na comunidade e quão relevante se faz essa iniciativa para os alunos?
Poderia dizer que foi uma feira que agradou muita gente, que os professores das outas disciplinas foram de grande importância para a realização do projeto, e a maioria dos alunos abraçaram a causa com muito carinho, tomaram iniciativa de procurar informações e fazerem com que tudo fosse espetacular. Mas nem tudo é perfeito. Alguns pais não queriam que seus filhos participassem, dizendo que não iriam permitir que seus filhos vivessem na prática o conhecimento de outra religião, um ou outro professor não ficou muito satisfeito também, pois a feira interferiu em seus horários de aula e planejamento e alguns poucos alunos desinteressados que resistiram em fazer suas atividades. No mais, mesmo com esses problemas, tudo foi maravilhoso e atingiu com certeza o objetivo maior, que era de realizar a feira e promover o conhecimento.
Segundo sua experiência com jovens, quais são os maiores desafios para conseguir o engajamento da juventude em projetos relacionados à religião?
O maior desafio é despertar nos alunos o interesse pela busca do conhecimento. Nossos alunos de hoje em dia são imediatistas, querem tudo pronto. Quando se lança um projeto como esse, faz-se necessário trabalhar intensamente e demonstrar para eles a seriedade do projeto e do seu objetivo. O professor precisa ser exemplo e referência. É impossível despertar nos alunos algum interesse quando um professor não é interessado. Eu amo o que faço, acredito na educação, defendo meu trabalho e meus projetos com unhas e dentes, sou séria com meus alunos sem perder a afetuosidade, trabalho com regras em sala e mostro a eles a importância de cumprir com o que nos é proposto. Sendo assim, o retorno vem, o engajamento acontece. Não é fácil, mas não é impossível!
A escola tem-se tornado um espaço cada vez mais diverso, fluido e dinâmico. Poderíamos dizer que os jovens também estão mais flexíveis quando o assunto é religião?
Infelizmente nem todos os jovens. Ainda enfrentamos o preconceito. Como eu disse anteriormente, todos os professores da disciplina de religião precisam trabalhar com seriedade, com respeito e amor, para conduzir nossos jovens a terem mais flexibilidade sobre o assunto. Mas não depende só do professor, depende de como a família trata esse assunto. Nem todos estão abertos a entenderem a opinião e o espaço do outro. O trabalho é árduo, mas vale a pena no final, não podemos é desistir.
Ainda temos experienciado uma sociedade altamente segregada. De um lado, há a defesa da laicidade absoluta nas escolas, de outro, há a resistência aos estudos de determinados credos. De que maneira se consegue conciliar perspectivas tão distintas em um tema tão sensível?
Não existe outra forma de trabalhar esse tema se não for com muito respeito e conhecimento do que estamos trabalhando. Quando agimos assim, vamos conduzindo nosso trabalho de forma que não fira ninguém e amplie o horizonte de conhecimento de quem nos ouve. Nossos alunos são carentes de respeito, de amor e de conhecimento e, quando damos isso a eles, conseguimos trabalhar o que quisermos. Eles podem até resistir em aprender sobre o diferente, mas aos poucos vamos ensinando, sensibilizando e ganhando a oportunidade de sentir a sensação de dever cumprido.
Como graduada em Filosofia, pela Universidade Federal de Juiz de Fora, de que modo os estudos filosóficos dialogam com religião?
Dentre as disciplinas da filosofia temos as matérias de “Filosofia da Religião” e “Ciência da Religião”. Disciplinas essas que me levaram à reflexão e ao entendimento sobre o pluralismo religioso, seus princípios, suas histórias e teorias. Isso tudo me permitiu tornar uma profissional da área. Consigo refletir sobre as religiões, uso muito dos métodos de investigação filosófica para adquirir conhecimento, busquei fazer uma pós-graduação em Ciência da Religião para ampliar meus horizontes. Tenho muita coisa a aprender e, sendo assim, continuarei usando da filosofia para realizar meus trabalhos nas aulas de ensino religioso, pois, através da filosofia, consigo perceber, entender e aprender sobre a religião. Estudos filosóficos não só dialogam, como também casam com a religião.
Uma mensagem para os leitores do Consciência Ecumênica?
Caros leitores, não tem como chegar ao entendimento se não for pelo conhecimento. Para conhecer é preciso buscar, investigar, perceber e estudar, seja assuntos sobre religião ou qualquer outro assunto. Se todos passarem por esse processo, sairemos do nosso estado de ignorância e passaremos ao estado de alegria de viver num mundo de harmonia, onde consigo conviver com as coisas e com os outros sem preconceito e sem sofrimento. A diversidade está aí, não podemos negar. Também não podemos negar que já passou da hora de as pessoas tratarem uns aos outros com mais respeito e amor ao próximo, independentemente da sua crença. Sendo assim, grande abraço a todos. Fiquem com Deus! ■
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