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Foto do escritorHugo Aguiar

Entrevista com a representante bahá'í Glaucia Lira

Atualizado: 27 de jan. de 2020

Leia a instrutiva entrevista de Glaucia Lira acerca de sua relação com a fé que professa, bem como da perspectiva da Fé Bahá'í quanto a questões contemporâneas.

A Fé Bahá-í é uma religião monoteísta originada na Pérsia – atual Irã – e fundada pelo líder Bahá’u’lláh. Os bahá'ís admitem como postulados fundamentais a unidade de Deus, das religiões e da humanidade. Essa convicção conduz ao entendimento de que Deus revela sua vontade, progressivamente, por meio de mensageiros divinos, dentre os quais Buda, Krishna, Maomé, Jesus e o próprio Bahá’u’lláh. Mais de 5 milhões de fiéis compartilham dessa crença, em mais de 200 países, relevância que justificou sua representação junto às Nações Unidas.

Para compreender mais a respeito da Fé Bahá’í, da sua relação com o mundo e com as questões contemporâneas, entrevistamos a representante institucional da Comunidade Bahá’í do Brasil Glaucia Lira, que elucidou acerca de sua experiência religiosa e das particularidades dos ensinamentos atinentes a esse credo.

Como se deu seu ingresso na Fé Bahá’í, e, em que medida, a religião que professa tem impactado sua vida?


Minha mãe conheceu a Fé e tornou-se bahá’í quando eu tinha quatro anos de idade, e, a partir de então, comecei a participar das atividades educacionais e da vida comunitária, o que me permitiu entender com clareza os princípios e fundamentos da Fé Bahá’í. Aos 15 anos, que para os bahá’ís é o início da idade da maturidade, pude reafirmar minha fé de forma independente. O impacto em minha vida se dá em todas as dimensões, pois um dos desafios é tentar viver de forma coerente. Isso teve relação direta sobre a escolha da profissão. Queria escolher algo que, além da questão financeira, pudesse, ao executar com excelência, ajudar a humanidade a se desenvolver.


Minha fé também mudou a forma de me posicionar no mercado de trabalho. Ainda hoje, em várias áreas, é difícil para as mulheres posicionarem-se, por serem ambientes predominantemente ocupados por homens, especialmente nas áreas técnicas e de engenharia, que foi o que estudei. O princípio de igualdade entre homens e mulheres, presente na Fé Bahá’í, nesse contexto, foi muito importante para mim, pois, por meio dele, consigo dialogar com os colegas de trabalho sobre as capacidades das mulheres e sobre a necessidade de caminharmos juntos.


Considerando que a Fé Bahá’í aceita a validade de outras religiões, sob o entendimento da revelação progressiva, o que a particulariza perante as demais agremiações?


Bahá'u'llah nos ensina que no decorrer da história da humanidade, Deus enviou Seus Mensageiros Divinos, entre Eles Abraão, Krishna, Zoroastro, Moisés, Buda, Jesus Cristo, Muhammad, Báb e, nos tempos mais recentes, Bahá’u’lláh (Fundador da Fé Bahá’í) – Esses santos Manifestantes vem para cultivarem as capacidades espirituais, intelectuais e morais da humanidade, trazendo as Leis e Ensinamentos para a época em que são enviados. Como a humanidade evolui intelectual e materialmente, é necessário que tenha uma evolução espiritual que auxilie os indivíduos como um todo a caminharem para seu destino de verdadeira paz, união e progresso.


As religiões, nesse contexto, são apenas diferentes nos estágios de desenvolvimento que surgiram, mas são partes da mesma verdade eterna. Os bahá’ís acreditam que a religião de Deus é a Religião Única e todos os Mensageiros de Deus a ensinam, não é estática, é algo que vive e cresce, não é uma coisa sem vida e imutável. Nos ensinamentos de Moisés, vemos o Botão; nos de Cristo, a Flor; nos de Bahá'u'lláh, o Fruto. A flor não destrói o botão, nem o fruto destrói a flor. Não destrói, e sim completa.


O mesmo se dá com os vários ensinamentos religiosos, no seu exterior muda de tempos em tempos, mas cada Revelação é a consumação das anteriores; elas não são separadas nem incompatíveis, mas, sim, diferentes etapas na história da vida da Religião Única e que entra agora no período da frutificação. Bahá'u'llah, sendo o mais recente desses luminares divinos, traz nova luz a essas verdades fundamentais e revoga leis e preceitos que não são mais adequadas para esta época.


Como a Fé Bahá’í entende Deus?


Por mais amplo ou criativo que possa ser o nosso conceito de Deus, sempre estará necessariamente circunscrito às limitações da mente humana. “O que imaginamos não é a Realidade de Deus; Ele, o Incognoscível, o Inconcebível, está muito além da mais avançada concepção do homem”.


Não conseguimos conhecer a Deus em sua essência, pois Sua realidade é infinita e está acima da compreensão humana. Os bahá’ís creem existir um único Deus, que é a Causa Suprema e Criador de todas as coisas. O que nós podemos conhecer a respeito do Deus incognoscível nos foi ensinado pela sucessão de fundadores das grandes religiões do mundo, os Manifestantes de Deus. Através das eras, nossa crença em Deus e os caminhos que trilhamos em Sua direção foram e são moldados pelos ensinamentos trazidos pelos Seus Manifestantes.


De que modo a Fé Bahá’í compreende a vida e a morte?


Os escritos bahá’ís afirmam que todos os seres humanos foram criados pelo amor de Deus com a capacidade de reconhecer os Seus sinais e refletir a Sua beleza. Cada um de nós é dotado de uma alma imortal que está exaltada acima da matéria e que não possui distinção de gênero, cor, nacionalidade ou classe social.


​Compreendemos que a vida do indivíduo se inicia na concepção, quando a alma se associa com o embrião. No momento da morte, o corpo retorna ao mundo de pó, enquanto a alma continua a progredir nos mundos espirituais Divinos. Cada estágio da vida do indivíduo tem um propósito, neste mundo material, por exemplo, desenvolvemos as qualidades espirituais das quais fomos dotados por Deus. Cumprimos nosso propósito mais elevado numa vida de serviço, em que oferecemos generosamente nosso tempo, energia e conhecimento.


Apesar disso, tudo o que possuímos, potencialmente, só se pode manifestar como resultado do nosso esforço consciente. Quando nos esforçamos para desenvolver nossas capacidades e contribuir para o avanço dos demais.

Na perspectiva Bahá’í, é possível haver um diálogo entre religião e ciência?


A harmonia entre ciência e religião é um dos princípios fundamentais da Fé Bahá’í, que ensina que a religião sem a ciência transforma-se em superstição e fanatismo, e ciência sem a religião torna-se meramente instrumento de materialismo. De acordo com os escritos bahá’ís, “A religião é a expressão exterior da realidade divina. Por isso deve ser viva, vitalizada, dinâmica e progressiva”. “A ciência é a primeira emanação de Deus ao homem. Todas as coisas criadas incorporam a potencialidade da perfeição material, mas o poder da investigação intelectual e conquista científica é a maior virtude específica do homem apenas. Os outros seres e organismos são privados dessa potencialidade e realização”.


Juntas, ciência e religião proveem os princípios organizadores fundamentais através dos quais indivíduos, comunidades e instituições funcionam e evoluem. Quando as dimensões material e espiritual da vida de uma comunidade são levadas em consideração e é dada a devida atenção ao conhecimento científico bem como ao espiritual, evita-se a tendência de reduzir o progresso humano ao consumo de bens, serviços e pacotes tecnológicos. Juntas, essas duas fontes de conhecimento são essenciais para a liberação de indivíduos e comunidades das armadilhas da ignorância e da passividade. São vitais para o avanço da civilização.


A Comunidade Internacional Bahá'í possui escritórios na ONU em Nova Iorque e Genebra, e representações nas comissões regionais da ONU. Qual o papel da Fe Bahá'í nas questões mundiais?


A Comunidade Internacional Bahá'í participa das Conferências Internacionais e dos Seminários da ONU, bem como dos fóruns das Organizações Não-Governamentais, submetendo apreciações, estudos e diretrizes relacionados à solução dos mais graves problemas mundiais. Trabalha para solucionar problemas relacionados à violência, a situações de conflito, catástrofes ambientais e degradação do meio ambiente, à defesa dos bahá'ís em países onde sofrem perseguição, entre outros.


Ante o estado lastimável em que se encontram as nações, quer no campo moral, social ou econômico, não poderíamos deixar de apresentar algumas respostas que o Médico Divino nos trouxe, como remédio para toda a humanidade. O indivíduo e a sociedade, tão cheios de problemas, perplexos e ansiosos, enfrentam hoje, uma etapa de transição até chegarem à maturidade e tomarem plena consciência que o bem-estar de um está necessariamente vinculado ao bem-estar de todos.


A fé Bahá’í tem como preceitos a igualdade, um mundo livre de preconceitos e a justiça social. Em uma sociedade plural, com várias expressões da personalidade, de que maneira a Fé Bahá’í assimila as questões trazidas pela contemporaneidade?


Um dos ensinamentos de Bahá'u'lláh é o abandono de todas as formas de preconceitos, sejam eles religiosos, raciais, patrióticos e políticos, pois destroem os fundamentos da sociedade humana. Os princípios da unidade da humanidade e da unidade na diversidade necessitam que seja dada ênfase ao desenvolvimento da unidade entre os seres humanos de todas as raças, cores ou origens étnicas. Acreditamos que a diversidade juntamente com a unidade, auxiliam a humanidade a alcançar seu destino. "A diversidade na família humana", afirmam os Escritos Bahá'ís, "deveria ser causa de amor e de harmonia, assim como o é na música, onde muitas notas diferentes se harmonizam a fim de produzirem um acorde perfeito".


A tradução desses princípios em realidade não é tarefa simples e requer o esforço contínuo e sistemático de toda a população, além dos saberes gerados tanto pela ciência quanto pela religião. A comunidade bahá'í vem buscando aprender, no contato com os demais, na participação de diversos espaços e por meios do desenvolvimento de atividades educacionais que auxiliam no desenvolvimento de comunidades justas e unidas.


Os bahá’ís não creem que a transformação se dará somente por meio de seus próprios esforços; por isso consideramos da máxima importância encorajar a unidade, cada indivíduo buscando, acima de tudo, reconhecer e fomentar os laços humanos e espirituais que unem a família humana - uma família rica na diversidade de raças e culturas que a compõem. A importância deste princípio encontra-se claramente refletida nos ensinamentos Bahá'ís, que afirmam: Cada raça deve fazer esforços para desenvolver e ajudar a outra, a fim de que haja progresso mútuo.


Como a Fé Bahá’í se dispõe a amenizar as angústias e dores tão presentes nos indivíduos?


Inicialmente precisamos identificar qual a causa dessas angústias e dores. Entendemos que essa crise que assola a humanidade tem sua origem essencialmente espiritual, por ser um mal espiritual, a resposta também precisa ser espiritual. Uma dessas angústias surgem do ser humano não entender o objetivo nobre pelo qual foi criado, o que pode gerar uma atitude materialista e egocêntrica perante a vida. Estamos neste mundo para nos desenvolvermos individualmente e contribuir juntos com os demais para a construção de uma nova forma de organização da sociedade. Este caminho que precisamos percorrer não é fácil, porém as provações neste sentido ajudam a nos fortalecermos. Por meio da oração e de uma vida de serviço, podemos ultrapassar esses obstáculos e aumentar nossa capacidade para desfrutar da verdadeira felicidade, pois a essência da fé religiosa é aquele senso místico que une o homem com Deus.


Já a visão da necessidade de termos uma vida de serviço nasce da nossa concepção de unicidade da humanidade em que o bem-estar de cada um nos está conectado ao bem-estar dos demais. Por isso, como bahá'ís, buscamos nutrir essas relações de apoio mútuo e serviço se estabeleçam entre um número crescente de pessoas de todas as idades. A comunidade bahá'í também está procurando criar uma forma de organização da sociedade de maneira a superar muitos dos males que são fonte de sofrimento para a humanidade. Por exemplo, estamos aprendendo a criar comunidades livres do preconceito, baseadas na igualdade entre homens e mulheres, em que o conhecimento é acessível a todos, que são regidas pela cooperação ao invés da competição, em que as instituições buscam servir a sua população. Por um lado, temos essa rede de serviço e apoio mútuo e por outro, a criação de uma nova forma de organização da sociedade.


Além disso, se o indivíduo está acometido de doenças tais como depressão e ansiedade que vem assolando a humanidade de forma abrupta ultimamente, somos instados a procurar ajuda de especialistas, Bahá’u’lláh nos diz que “Quando enfermos, recorrei a médicos competentes. Não descartamos o recurso aos meios materiais...”.


Uma última palavra para os leitores do Consciência Ecumênica?


Gostaríamos de agradecer pela oportunidade de compartilhar um pouco sobre a Fé Bahá’í. Mais informações podem ser encontradas no nosso site: www.bahai.org.br


“Que cada manhã seja melhor do que sua véspera, e cada novo dia mais rico que o dia anterior.” — Bahá’u’lláh.

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