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Entrevista com o Padre Jonathan Costa

Atualizado: 23 de jul. de 2019

Confira a esclarecedora entrevista com o Padre Jonathan Costa, pároco e reitor do Santuário Dom Bosco, em Brasília.


O legado deixado pelo sacerdote italiano Dom Bosco é de elevada importância para os católicos, sobretudo para os jovens, que têm nele seu padroeiro. Entre suas realizações, o missionário fundou a congregação dos Salesianos, cuja missão principal é a proteção e o resgate da juventude, bem como daqueles mais necessitados.

Para compreendemos como os feitos de Dom Bosco podem inspirar boas ações na atualidade e como a Igreja Católica vem abordando as novas questões da humanidade, entrevistamos o Padre Jonathan Costa. Pároco e reitor do Santuário Dom Bosco, em Brasília, e integrante dos salesianos, o sacerdote compartilha os ensinamentos advindos de sua caminhada eclesiástica e apresenta a perspectiva católica sobre vida, juventude e desafios contemporâneos.


Seguir o sacerdócio é, presumidamente, uma decisão envolta de questionamentos. Para o senhor, como se deu esse processo de chamamento vocacional?


O primeiro chamado vocacional eu tive aos dez anos de idade, na fase de preparação para a primeira eucaristia, em uma reunião de pais. Nossa celebração estava marcada para as 17 horas, e os pais pediram para ser mais tarde. A resposta da catequista foi que não haveria possibilidade por falta de padre. E isto ficou na minha cabeça: “eu vou ser padre, para não ter falta de padre”. A primeira motivação sempre é válida, mas no período de discernimento vocacional outras coisas são purificadas, ou seja, requer vocação, doação, disponibilidade, afinidades e dons. Então, somos moldados para aquilo que Deus prevê. Fui-me envolvendo na Igreja: a primeira eucaristia, os sacramentos, grupos de jovens e outras atividades. Com o apoio da família, decidi ficar de vez. Aos 16 anos, comecei o processo de discernimento vocacional e, aos 19 anos, ingressei no seminário.


Ao analisar a trajetória do Papa Francisco, observa-se que a caminhada na Igreja o despertou para muitas questões. Em que medida o sacerdócio modificou sua perspectiva de mundo?


Vindo do interior, acostumado com as preocupações de vida de interior, é completamente diferente abrir-se à realidade; vi na prática o que antes só estudava na teoria. E quando se tenta colocar em prática a vivência religiosa, sobretudo na perspectiva de contribuir para a construção do Reino de Deus, a perspectiva torna-se diferente, sim. A visão de mundo que vamos absorvendo no decorrer deste processo, principalmente no século em que nós estamos vivenciando, modifica constantemente. E temos de estar atualizados diante essa modificação.


Como trazer os jovens para a Igreja e como atender às suas expectativas?


A Internet tem trazido modificações na sociedade. Antes, Dom Bosco vivia em pátios físicos; agora, temos de atuar em pátios virtuais, para darmos assistência e presença, o que é uma característica dos Salesianos. E as atividades para os jovens têm de ser diferenciadas, de forma a dialogar com a realidade juvenil, sobretudo com as tecnologias. Temos, sim, valores essenciais, irredutíveis, que definem a nossa fé, mas a forma de transmiti-los está em constante mudança, a maneira de dialogar tem de ser atual, tem de ter a capacidade de conectar-se com a realidade dos novos tempos.


A Igreja deve ser a mãe que escuta a necessidade dos filhos, que questiona o que se está fazendo e aonde se quer chegar. E, na verdade, está em curso um reavivar na história da Igreja. Não é uma preocupação quantitativa, mas qualitativa. Dom Bosco, por exemplo, editou, no século XIX, o primeiro contrato de aprendiz, ao observar a exploração dos jovens, e que hoje nós temos como lei; o Papa João Paulo II vem com a proposta de reunir as expressões juvenis, com a Jornada Mundial da Juventude, o ápice da expressão de uma Igreja jovem; e agora o Papa Francisco com a iniciativa de querer ouvir a juventude, por meio do Sínodo dos Jovens*, buscando incorporar a força juvenil de forma ativa, reflexiva e cooperativa nas atividades da Igreja.


“Queridos jovens,[...] não sejam o futuro de Deus, mas o agora de Deus”, afirmou o Papa na missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude de 2019. Como a Igreja busca chamar a juventude hiperconectada a ser o “agora de Deus”?


O “agora de Deus” não é, simplesmente, largar o mundo e cuidar das coisas da Igreja, pelo contrário, é ser Igreja e testemunhá-la na realidade onde estiver. O nosso segmento é Jesus Cristo, a Igreja tornou-se um instrumento que nos leva ao Cristo, mas, muitas vezes, entendemos a Igreja como finalidade e esquecemos a essência, que é viver os valores cristãos, e, assim, criamos rivalidades e dificuldades de relacionamentos dentro da Igreja, pois nos perdemos no processo. Quando nos entendermos participantes da Igreja e compreendermos que o nosso segmento é Jesus Cristo, usaremos então a Igreja como alimento, como itinerário, como caminho que nos leva a sermos cristãos, na sociedade. E então o paraíso criado por Deus, que seria algo ideal, torna-se presente: o Céu hoje.


Assim, a Igreja propõe que se testemunhem os valores na realidade e que esses não sejam perdidos dentro de uma sociedade líquida, do descartável. Ser o “agora de Deus” é retomar a experiência dos primeiros cristãos, para que se possa olhar para nós hoje, como cristãos católicos, e dizer: veja como se amam, como partilham o pão, na palavra, na justiça, na forma de comportamento. O “agora de Deus” é sermos bons cristãos e honestos cidadãos: aquilo que vivemos na Igreja nós temos de testemunhar lá fora.


O senhor mencionou a sociedade líquida, termo atribuído a Zygmunt Bauman. Em sua experiência como padre, qual o maior desafio da Igreja, nesta sociedade líquida?


Os valores são o principal desafio. Antes, vivia-se em uma sociedade em que o que se quebrava se tentava consertar, diferentemente de hoje. O consumismo é muito presente: aquilo que se lança já está ultrapassado, deve ser substituído, e estamos reproduzindo esse hábito em nossos relacionamentos. Podemos perceber essa realidade na relação dos filhos com os pais, ou na relação conjugal. Não se compreende os valores, que são imutáveis para a nossa religião. E, muitas vezes, queremos mudar aquilo que é valor cristão para satisfazer uma vontade particular. Como consequência, há uma dificuldade com a adesão religiosa, pois se busca uma fé que atenda às necessidades individuais, e, quando não mais corresponde aos interesses do indivíduo, troca-se de fé. E nessa sociedade líquida, a grande dificuldade é apresentar os valores como atuais, fazer uma evangelização capaz de mostrar que os valores apresentados por Jesus há dois mil anos ainda são essenciais para o respeito humano.


Os jovens, na atualidade, passam por pressões, que, muitas vezes, resultam em quadros depressivos, com índices alarmantes de indivíduos que buscam escapar da vida. De acordo com a sua experiência com a juventude e com a população em geral, qual o papel da Igreja na modificação dessas estatísticas?


Nosso papel é dar significado à vida. Esse é um valor para nós, enquanto Igreja singular. E precisamos criar estratégias para apresentar esse valor à sociedade. Por muito tempo, a nossa Igreja vivenciou uma catequese, digamos, protocolar. Muitos fiéis tinham mais interesse em celebrar o sacramento do que, propriamente, na vivência dos ensinamentos de Cristo e no envolvimento com a Igreja. Dessa forma, a catequese, para essa parcela dos católicos, foi incapaz de responder muitos questionamentos. Qual o sentido da nossa vida? Qual o sentido de Deus na nossa vida? Por qual motivo estou neste mundo? Se conseguissem responder algumas dessas perguntas, com certeza dariam novo significado à vida.


A falta desse esclarecimento impede as pessoas de conhecer seu papel na construção do Reino de Deus. Por isso, muitas vezes, elas desesperam-se diante da finitude ou veem-se em meio a um vazio existencial. A experiência cristã consegue dar um sentido para nossa vida, se entendermos qual é a proposta que Jesus tem para nossa caminhada.


O Vaticano tem demonstrado, em ocasiões recentes, grande apoio ao convívio ecumênico, tanto entre Igrejas cristãs quanto no relacionamento com os irmãos de outras denominações religiosas. Quão importante o senhor considera ser o papel da Igreja Católica nesse movimento de ampliação da convivência harmônica entre religiões?


Ainda temos, na atualidade, um desafio muito grande relacionado a essa questão. Acho que ainda existe uma dificuldade de entendermos que somos capazes de conviver harmonicamente e de dividir a criação, cada um respeitando a fé dos demais. O fiel que se aproxima de um indivíduo de crença distinta entende que pode mesclar ambos os credos, fazendo um tipo de bricolagem religiosa. Isso ocorre por não entender as particularidades de cada agremiação e por falta de catequese. Entendo que uma vez professada nossa fé, ela tem sua identidade. A convivência é um caminho que a gente tem de fazer, mas eu vejo uma urgência no conhecimento da nossa fé.


O senhor é pároco e reitor do Santuário Dom Bosco, cujo padroeiro foi aclamado por São João Paulo II como o “Pai e Mestre da Juventude”. Qual o legado de Dom Bosco para os jovens?


Dom Bosco começou seu exercício evangelizador visitando jovens presos. Ele entendia que algo deveria ser feito para impedir que eles se encontrassem naquela situação. Por isso, podemos dizer que o trabalho preventivo voltado para a salvação dos jovens é seu maior legado. Embora não se possa esquecer daqueles que já estão no caminho errado, é essencial realizar um trabalho que preserve nossa juventude em relação a impasses sociais, como as drogas, o tráfico e a depressão. Ao mesmo tempo, esse trabalho deveria conceder o conhecimento necessário para formarem famílias sólidas, menos suscetíveis às adversidades da vida. Então, considero que essa é a grande contribuição de Dom Bosco: continuar um vasto movimento em favor da salvação dos nossos jovens, dando a eles sentido e o propósito de construir um mundo mais justo e mais fraterno.


Considerando a experiência do senhor, bem como seus estudos a respeito da Igreja Católica, qual seria a missão primordial do catolicismo para seus fiéis?


Professar essa fé hoje significa reconhecer a presença de Deus na nossa vida e o fato de que nós temos um pai, cujo projeto de salvação buscava, pelo envio de Jesus Cristo e pela ação do Espírito Santo, estabelecer o Reino de Deus na Terra: um reino de paz, amor, justiça e fraternidade. E, se Deus criou o mundo para o bem, viver em um mundo de divisões, de maldade, significa distanciar-se do projeto de Deus. Por essa razão, nós cristãos temos o desígnio de ser sal e luz – dar sentido e ser, de fato, uma iluminação para um mundo ainda carente de valores e de direcionamento.


O senhor gostaria de deixar para os nossos leitores da Consciência Ecumênica, sobretudo, os jovens uma mensagem?


Eu costumo dizer o seguinte: enquanto há alguém se perdendo no mundo, é sinal de que ainda não estamos fazendo nossa parte. Se existem pessoas que perdem sua vida, seus relacionamentos, seu sentido, significa que nós ainda estamos acomodados ou realmente fechados em determinados valores subjetivos.


Que possamos aceitar Jesus Cristo como a “cabeça” de nosso corpo social. Cada membro do corpo exerce uma função distinta, mas não deixa de ser corpo ou de estar unido à cabeça. Por mais que possamos professar diferentes credos, deveríamos reconhecer que todos nós devemos obediência à cabeça, ou seja, aos preceitos de amor, bondade e fraternidade que Jesus nos ensina. ■


* Momento de reflexão da Igreja Católica, em que o Papa e os Bispos sinodais reúnem-se para discutir certas temáticas, que envolve a Igreja e o mundo.

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